Contraí covid em junho. Foi um caso leve, mas mesmo assim passei cerca de vinte dias de cama. Nesse período, num isolamento dentro do isolamento, fotografei as paredes do meu quarto, onde a pintura descascada e rachada chamava minha atenção.


Na época, uma amiga me contou que o irmão dela, também doente, trabalhava como repositor de mercadorias num supermercado, e que oito colegas da mesma empresa, na mesma função, já tinham morrido com covid.


Enquanto isso o número oficial de mortos no Brasil se aproximava dos cem mil. Eu me recuperava lentamente da doença, mas mentalmente me sentia cada vez mais desgastada pela crueza das informações. Oito colegas da empresa. Cem mil mortos. Sem mudanças na política da empresa, sem mudanças na necropolítica nacional.


Esse desgaste mental foi se agravando à medida que eu observava as diferenças de comportamentos entre meus parentes e amigos. Alguns cumprindo medidas de proteção, outros viajando para a praia. Diferentes comportamentos de acordo com as diferentes narrativas que cada um decidiu adotar como verdade.


O trabalho nasceu nesse processo de observação das paredes degradadas do meu quarto, do crescimento do número de mortos e do progressivo esvaziamento das noções de fato, realidade, verdade. O título "para atualização diária" também procura acompanhar essa sensação de progressivo esvaziamento de sentido.